terça-feira, 18 de dezembro de 2012

O Rei Jumento

Josué
“Não pense de si mesmo, além do que convém.”
Romanos 12:03

Tarde quente, sufocante, barriga empanturrada do PF do centro, buzinas, ronco de motores, muita fumaça, muitas pernas de gente e saco cheio de tédio, mas mesmo assim, com todos os protestos do corpo, inclinei-me, dobrando a coluna enferrujada, retorcendo as vértebras para apanhar no calçadão uma folha de jornal pisoteada pelos transeuntes cegos. Corri os olhos, virei à folha e lá estava o que eu sempre procuro - uma gota de sabedoria dando sopa. Gotas e respingos de sabedoria, encontro nos lugares mais insólitos: No lixo, nos balcões de bares, enfiados nos assentos dos ônibus públicos,voando sobre a minha cabeça por força do vento, nos banheiros fedorentos,...

Sabedoria é um elemento democrático, livre e acessível a todos, indiscriminadamente, ou seja, não importa se saiu da mente ou da boca de um rico ou de um pobre, de um gênio ou de um ignorante, o fato é que as fontes da sabedoria são isentas de preconceitos, de raça, de cor, de religião, de nível sócio-político-econômico, sexuais,... Mas, como estava dizendo, estava lá a gota de sabedoria que sempre alegra o meu intelecto e a minha alma. Você é amplamente livre para ler abaixo, nos próximos parágrafos. Você decide, mas não fique com pena do Jumentinho: 

“E, indo os discípulos, e fazendo como Jesus lhes ordenara, trouxeram a jumenta e o jumentinho, e sobre eles puseram as suas vestes, e fizeram-no assentar em cima. E muitíssima gente estendia as suas vestes pelo caminho, e outros cortavam ramos de árvores, e os espalhavam pelo caminho.” Mateus 21:06-08

“Era o primeiro dia da semana, e um jumentinho andava vagarosamente pela estrada poeirenta. No seu lombo ele carregava um passageiro que nunca tinha carregado antes.

O jumento e seu passageiro tinham deixado Betânia naquela manhã e eram acompanhados por homens que viajavam a pé. Agora, algumas horas mais tarde, eles passaram pela encosta do monte das Oliveiras e chegaram à cidade radiante de Jerusalém.

De repente, o animal ficou surpreso com os gritos da multidão à medida que se aproximavam dos portões. Logo o jumento percebeu que ele era o centro das atenções. Eles estão olhando para mim, disse a si mesmo. Levantou a cabeça e olhou para os rostos sorridentes que olhavam para ele, - Eles estão sorrindo para mim! Pensou.

Um homem tirou a sua túnica e a estendeu no caminho do jumento. Uma mulher tirou o seu xale e o estendeu na estrada. Logo, as crianças começaram a deitar ramos das árvores pelo caminho, tornando-o um tapete macio e limpo para os seus cascos. Eles estão me honrando como se eu fosse um rei! O jovem jumento pensou. Ele ficou todo orgulhoso. Eles estão cantando para mim. Ah! Que maravilha! Eu sou maravilhoso!

Quando o cortejo chegou às escadarias do templo, a multidão ficou quieta. Por que eles pararam? Indagou o jumento. O louvor tem de continuar!

Foi então que o jumento percebeu, chocado, que os gritos não eram para ele. Seu passageiro desmontou e subiu os degraus do templo. A multidão o seguiu, deixando o jumento sozinho na rua, amarrado a um poste. Eu devia ter me sentido honrado, percebeu o jumento, de ter carregado no humilde lombo o homem chamado Jesus, mas eu estava tão convencido com o que eu achava ser a minha importância que não apreciei a honra que eu tinha recebido.

Imagine! Um jumento recebendo o louvor e a adoração que pertencia a Jesus! Que ridículo! Que arrogante!

Nós humanos, porém, cometemos o mesmo erro. Nós nos tornamos orgulhosos e achamos que somos o máximo.

Deus ordena: “Não pense de si mesmo além do que convém”. Deus sabe que nossa tendência é deixar-nos levar a receber crédito por coisas que não fizemos. Qualquer atitude orgulhosa que temos nos impede de apreciar as coisas que Deus nos deu. Deus valoriza a humildade.” 

*(Trecho extraído do: Informativo O Semeador – Ano 1 – nº. 6 – bimestral julho/agosto – 2006. (Penha) SP.) 

Pois é, caro leitor! Quem pode afirmar que não pensa de si mesmo, mais do que convém?

Eu penso. Penso mesmo, não vou negar. Não vou mentir a mim, mesmo. Quem fala a verdade não merece castigo e eu não serei mentiroso. Todos os dias, acordo me achando, entro no metro lotado empurrando a todos porque eu preciso de espaço. “Estou sempre me achando.” Mesmo quando sou obrigado a pedir favores a outrem, eu me acho o “todo-todo”. Jogo uma toalha descuidada sobre o meu orgulho, sobre o meu convencimento e peço o favor. Claro, se não tem outro jeito! Depois é só puxar a toalha e tudo é glória pessoal. É verdade! Gostaria de dizer o contrário! E quer saber mais? Até em dizer essas verdades do meu próprio interior, já me sinto orgulhoso e sábio, mais que os outros. Poder, orgulho, soberba, egoísmo, arrogância, é muito mais que uma taça do elixir dos deuses; muito mais que uma orgia com as mais lindas e atraentes mulheres. Tudo isso leva a sensação de poder e, poder é o atributo natural de Deus. A natureza do homem é ambicionar a divindade. Aconteceu lá, em pleno cenário do céu, com o querubim Lúcifer – a luz das esferas – a pedra brilhante dos jardins dos céus, o mais poderoso e inteligente e, o final foi a sua irrevogável e irretratável expulsão das mordomias celestiais, que resultou na queda para o inferno da matéria sem luz.

Sou eu, mais forte que Lúcifer, quando no seu estado de anjo do bem? Eu, humano, escravo e residente de uma matéria física escura, inconsciente das minhas próprias origens; sou eu, mais resistente ao assédio do poder, do orgulho, da ambição desmedida, da arrogância, da luxúria,...mais resistente que Lúcifer?

Para lembrar que o mal não compensa, tento não esquecer que, mesmo com todo o seu poder e glória, a recompensa por não resistir ao mal, foi o exílio no inferno. O tal “lago de enxofre que arde dia e noite”, as “trevas exteriores”, onde se ouvem” prantos e rangeres de dentes” . – “E o diabo, que os enganava, foi lançado no lago de fogo e enxofre, onde está a besta e o falso profeta; e de dia e de noite serão atormentados para todo o sempre. (Apocalipse 20 : 10) 

Quem quer ir para o inferno? Você quer? Eu não quero.Eu não sou besta! Besta ou Jumento, é a mesma coisa. Veja o que diz o Aurélio, aquele que pensa que sabe mais que os outros: Besta: Quadrúpede (Mula, Jumento); Pessoa muito curta de inteligência; Indivíduo pretensioso, pedante, presunçoso; Metido a besta, cheio de empáfia; vaidoso; convencido e pretensioso.

Na verdade, tudo isso você pode resumir em uma só frase: Aquele que pensa de si além do que realmente é.
 
Josué

domingo, 2 de dezembro de 2012

Bilac's, Leandro's e o Cordel


Na poesia tem Bilac’s e Leandro’s. Também tem Ataíde’s e Ariano’s! Na arte também tem política.
Mas na arte também tem, um ou mais, Carlos Drummond de Andrade.  

Da Política 

A política se forma pela dualidade: direita / esquerda com as suas variações ideológicas. O objetivo explícito é o povo, mas na realidade a política é um instrumento de uso a favor do próprio indivíduo político. Vence o menos escrupuloso. A política visa a plenitude material, econômica, o poder. 

Da Arte 

A arte, quando oriunda de talentos genuínos, visa a alma, a humanidade. O produto da arte são mensagens objetivando o benefício humano: A música, a literatura, a poesia, o desenho, a pintura, a dança, o teatro... Os benefícios materiais e econômicos resultante do exercício da arte são consequências, quando ocorrem. A maioria dos gênios da arte morreu, pobres ou afortunadamente infelizes. Seria castigo pela posse e uso do talento – dom – transformado em instrumento de arrecadação financeira? A arte não deveria ser utilizada para o crescimento espiritual dos indivíduos?

Grandes gênios do Futebol jogaram por amor a arte, outros pararam na hora certa para se transformar em estrelas, almejando fama e poder econômico. Os primeiros jogaram pela alma, os outros precisam bajular a elite para estar em evidência. Serem privilegiados pela influência política. É a política individualista usando a arte em favor do “artista-empresário da arte”. O verdadeiro objeto da arte é secundário. 

O Pai do Cordel

O martírio de Leandro Gomes de Barros começou aos nove anos de idade sob o julgo de um tio-padre de conduta questionável. Leandro morreu cedo com apenas 53 anos de idade.

De influenza ou de influência política?

O que dizer da influência econômica dos parentes mais ricos que levaram toda a herança?

          A influenza Clerical ou Econômica?
Depoimento de Cristina Nóbrega: Lendro foi meu bisavô, irmão de Daniel Gomes da Nóbrega. Portanto, Leandro era um Nóbrega. Mudou para Barrros em decorrência de um discussão com o seu tio, o Pe. Vicente.
Quando os irmãos do Pe. Vicente morreram, ele ficou por tutor das duas famílias, uma estava falida, e a outra tinha dinheiro. O Pe. Vicente passou, então, os bens do irmão para o outro, deixando a família de Leandro (bem como o meu bisavô Daniel) na miséria. E quando Leandro foi tomar satisfações, ele mandou dizer que "na cabaça ainda cabia orelha". Leandro, com raiva, mudou o sobrenome de Nóbrega para Barros. (26/06/2007)
Trecho do site: http://www.camarabrasileira.com/cordel12.htm

[...]
”E é irmão da mãe dele,
Esse fera inconsciente,
Só odiava o Cancão
Por ser mais inteligente
E os filhos de monstro
Brutos desgraçadamente.”


Verso de Cancão de fogo de Leandro.

          A influenza Social

De Leandro disse Carlos Drummond de Andrade:

“Em 1913, certamente mal informados, 39 escritores, num total de 173, elegeram por maioria relativa Olavo Bilac príncipe dos poetas brasileiros. Atribuo à má informação porque o título, a ser concebido, só poderia caber a Leandro Gomes de Barros, nome desconhecido no Rio de Janeiro, local da eleição promovida pela revista FON-FON, mas vastamente popular no Nordeste do país, onde suas obras alcançaram divulgação jamais sonhada pelo autor de ‘Ouvir Estrelas’.”
http://www.confrariadovento.com/revista/numero19/aderaldo.htm
 
A influenza Política

Segundo Permínio Ásfora, teria sido preso em 1918 porque o chefe de polícia considerou afronta às autoridades alguns dos versos da obra "O Punhal e a Palmatória", trama que tratava de um senhor de engenho assassinado por um homem em quem teria dado uma surra. O verso desrespeitoso de "O Punhal e a Palmatória" é:

 “Nós temos cinco governos
O primeiro o federal
O segundo o do Estado
Terceiro o municipal
O quarto a palmatória
E o quinto o velho punhal”

Em abril do mesmo ano (1918) em Recife, Leandro Morreu, segundo consta, vitimado pela gripe espanhola - influenza. Política?


A política quando usa a arte como instrumento para atingir os fins individuais, ela seleciona o produto da arte de acordo com a sua conveniência. Os artistas genuínos são transformados em adversários. A esses, restam os palcos a margem do reduto, do que se oficializou como elite da arte.

Mais de Drumond:

“Acrescentava que Leandro “... não foi príncipe de poetas do asfalto, mas foi, no julgamento do povo, rei da poesia do sertão e do Brasil em estado puro”.

Disse-nos desse mesmo Leandro, o velho e bom Câmara Cascudo:

Um dia, quando se fizer a colheita do folclore poético, reaparecerá o humilde Leandro Gomes de Barros, vivendo de fazer versos, espalhando uma onda sonora de entusiasmo e de alacridade na face triste do sertão”.

Sofremos desse mal de memória e de preconceito.”

http://www.confrariadovento.com/revista/numero19/aderaldo.htm

quinta-feira, 15 de novembro de 2012


CCTN: Quando foi e qual foi o seu primeiro cordel publicado?

Josué: No final do ano de 2009 a editora Luzeiro publicou o meu primeiro Cordel: “O Coronel Avarento ou o homem que a terra recusou”.

O CORONEL AVARENTO OU O HOMEM QUE A TERRA RECUSOU.


(...)
Subia a vida da terra,
Deixando-a ressecada,
Num verdadeiro braseiro.
Toda planta era queimada,

Mas Coronel com açude,
Mesmo sem o “Deus me ajude”,
Não precisava de nada.

Bandos de pombas voando,
As pombas de arribação,
Dançando num céu azul,
Mudando de direção,
Num bailado gracioso,
Que de tão maravilhoso,
Alegrava o coração.

As pombas voando raso,
Pousaram todas na margem,
Beirando as águas barrentas,
Como se fosse miragem,
Milhões de asas batendo,
Na beira d’água bebendo,
Aquele bando selvagem.

Também pousaram graúnas,
Vieram pra se banharem,
Numa algazarra danada,
As águas saborearem,
Cantos canoros festivos,
Trinados repetitivos,
Aproveitando a aragem.

Mas existe o lado feio,
Pois aflui de todo canto,
Esfomeados naturais;
Aparecem como encanto:
Gatos bravios, gaviões,
Cobras, cães, camaleões,
Ratos e mais outro tanto.

Atacando sem piedade,
Em luta de vida e morte,
Começa a carnificina.
Só as graúnas têm sorte,
As pombas de arribação
Com graça e disposição,
Mantinham o belo porte.

Há poucos passos dali,
Lá na sombra do juazeiro,
O Coronel matutava,
Esperando o bandoleiro.
Bateram lá na porteira,
Reis pegou a cartucheira,
Percebendo o cangaceiro.
...
Obs: Publicações do CCTN - Centro Cultural de Tradições Nordestinas: http://www.facebook.com/josuecordel#!/cctnsorocaba

segunda-feira, 5 de novembro de 2012

APONTAMENTOS PARA UMA HISTÓRIA CRÍTICA DO CORDEL BRASILEIRO

Durante os últimos 40 anos os estudos sobre o cordel brasileiro ficaram estáticos. As poucas tentativas de pensá-lo caíram no fácil caminho da repetição. Para muitos esse produto cultural vive paralisado na primeira metade do século XX, como um fóssil. Repetem-se os mesmos chavões nos quais ele foi sendo sepultado.
Surge agora, com este volume crítico, um caminho diferente para esses estudos. O autor, respaldado por vasta pesquisa, busca saída para os labirintos que lhe acompanharam desde a infância: terá realmente o cordel vindo de Portugal? Qual a verdadeira relação entre o cordel e o universo dos cantadores repentistas? É verdade que os cordéis sempre foram vendidos pendurados em um barbante, nas feiras livres? O cordel é poesia brasileira?
Aderaldo Luciano é doutor em Ciência da Literatura e este livro representa uma parte de sua tese de doutoramento na Universidade Federal do Rio Janeiro. Procura responder as perguntas questionando as respostas corriqueiras e apresentando elementos comprobatórios para a formação de um novo olhar sobre o cordel brasileiro, fruto de longos anos de averiguação.
Sobre o autor
Aderaldo Luciano é doutor e mestre em Ciência da Literatura, pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, pesquisador do CNPq, poeta, escritor e músico trabalhando com os conceitos fundamentais da poética do nordeste brasileiro. Autor dos livros Apontamentos para a história do cordel brasileiro (Conhecimento Editora, 2011), O Auto de Zé Limeira (Confraria do Vento, 2008, poesia). Co-autor em Violência simbólica e estratégias de dominação: produção poética de autoria feminina em dois tempos (Editora da Palavra, 2010, ensaios) e Quem Conta um Conto – Estudos Sobre Contistas Brasileiras Estreantes Nos Anos 90 e 2000 (Tempo Brasileiro, 2009, ensaios) ambos organizados pela professora Dra. Helena Parente Cunha. Até 2008 foi um dos editores e colunistas da Revista Confraria on line.
Foi coordenador editorial da Editora Luzeiro LTDA, especializada em cordel. Coordena o projeto Roda de Cordel – Círculo de estudos sobre o cordel brasileiro, em São Paulo-SP, e Roda de Cordel – leituras, projeto de leitura de cordéis em escolas e comunidades rurais brasileiras. Como músico tem se dedicado a pesquisar a música formadora do Brasil profundo, notadamente a oriunda do nordeste brasileiro. Daí surgiram os projetos Cantos primevos para um Brasil profundo, Brazilian Xote Social Music e POEZIA TRADICCIONAL DO NORDHESTE. É professor convidado da Universidade das Quebradas, curso de extensão do Projeto Avançado de Cultura Contemporânea da UFRJ, da Universidade da Mulher, da Universidade Cândido Mendes, colaborador no projeto social Agência de Redes Para a Juventude, no Rio de Janeiro. Autor de diversos artigos e ensaios em revistas especializadas em literatura. Em 2011 foi palestrante convidado do Europalia – international arts festival, Ano do Brasil na Bélgica, com conferência na Bibliothèque Médiathèque Le Phare e performance musical no Club.Brasil em Bruxelas.
Serviço
Livro: Apontamentos para uma história crítica do cordel brasileiro
14X21cm
96 páginas
R$ 20,00
Edições.Adaga/Editora Luzeiro
Pedidos: edicoes.adaga@gmail.com

terça-feira, 7 de agosto de 2012

Três caminhos para o cordel

Por Aderaldo Luciano
Em 17/06/2012


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A respeito de Ferrabrás e Oliveiros.
Leandro Gomes de Barros é, sem qualquer sombra de dúvida, o pai do cordel brasileiro. Não só por ter sido pioneiro nas publicações ou ter inventado a profissão de autor-editor-revendedor de folhetos. Também, e talvez seja o indício mais forte, por ter experimentado todas as formas, estilos e modalidades poéticas. Experimentou para depurar. Degustou quadras, sextilhas, septilhas, décimas, martelos e outras estrofações. Foi do cordel ao soneto, cançonetas, odes, paródias. Provou das pelejas, contos universais, novelas ibéricas. Enveredou pelos temas sociais, cantou a cidade do Recife, glosou com outros amigos poetas. Crítico contumaz, observador político, não teve medo de errar, nem de quebrar o pé de algum verso. Rebuscou sua escrita e fundou o seu “marco brasileiro”. Ninguém o superou. Pelo contrário, qualquer referência à poesia cordelística obrigatoriamente deverá citar o filho de Pombal.
Dentro de sua produção encontraremos a fundação das adaptações para o cordel brasileiro das novelas clássicas europeias como Donzela Teodora, João Da Cruz, O Rei Miséria, Branca de Neve, Juvenal e o Dragão, entre outros. Contemplando, ainda, esse veio do cordel brasileiro, nos deparamos com esse capítulo da História de Carlos Magno: a Batalha de Oliveiros e Ferrabrás. Alguns pesquisadores, e muitos poetas, acreditam existir um ciclo carolíngio no cordel do Brasil por conta desse poema de Leandro. Refuto isso. Primeiro por não aceitar a classificação em ciclos, segundo por não encontrar um número significativo de obras dentro do todo cordelístico que satisfaça esse olhar. Supondo que se possa classificar o cordel em ciclos, pergunta-se como se caracteriza um ciclo, o que o determina? A resposta seria a presença de uma produção expressiva no bojo da produção total do cordel, bem como seu prolongamento no tempo e no espaço.
Não é o que se vê nesse caso de Carlos Magno. Podemos listar, além dos folhetos de Leandro, esta Batalha, e a Prisão de Oliveiros, quantos outros títulos? Talvez não cheguem a dez. Considerando a produção de cordel no Brasil, digamos 50 mil títulos numa contagem sem qualquer suporte palpável, cinco ou dez folhetos nada representam. Agora, olhemos para sua produção no tempo. Quantos folhetos sobre Carlos Magno foram produzidos no ano de 2011? Talvez um, mas não coloca o Rei de França em outras aventuras, a não ser nessa célebre batalha. E no espaço? Não constam folhetos sobre a cavalaria carolíngia escritos e publicados em São Paulo, ou no Rio, recentemente. Argumento fazendo a analogia com Lampião: em todos os tempos e em vários lugares haverá sempre um poema sobre o herói nordestino e o número de títulos no qual é protagonista aumenta a cada dia. Entretanto isso é só mais um debate. O mais importante é que, com ciclo ou sem ciclo, deve-se a Leandro a inauguração da presença de Carlos Magno e seus doze pares de França na Literatura Brasileira, e não só no cordel.

Sobre Varneci Nascimento.
Há algum tempo li um cordel intitulado A peleja de Aloncio com Dezinho. Fiquei entusiasmado com a possibilidade de ver as pelejas voltando às raias do cordel. Surpreendi-me mais ainda porque aquela não era uma peleja tradicional, como nós conhecemos, retratando o ambiente de uma cantoria, com dois cantadores disputando proezas e trava-línguas. Transcendia a tradição e apresentava, em um trabalho poético-antropológico, um mecanismo social conhecido como batalhão, praticamente desaparecido da região de Banzaê, cidade do norte da Bahia.
O motivo do batalhão era um mutirão de homens que escolhiam a roça daquele mais precisado para capinar e preparar a terra para o cultivo de uma lavoura. A motivação era servida pelo canto coletivo, um ritual no qual os cantos de trabalho determinavam a disposição dos trabalhadores. Mas esse canto era diferente: regiam-no dois poetas repentistas, improvisando seus versos, intermediados por um refrão. Ao invés do som monocórdio das violas, o ritmo se dava pelo atrito das enxadas no solo e a solfa, a melodia, repetia-se de uma fonte ancestral indeterminada.
Em minha tese de doutorado repeti a primeira estrofe do folheto, que não colocarei aqui para obrigar o leitor a buscar essa peleja com o próprio autor. Na época, afirmei ser uma das mais belas aberturas de cordéis que eu já lera. Jorrava sensibilidade e a rima certa, o metro perfeito: a exatidão. Prosseguia de forma idêntica por mais sete ou oito estrofes até o narrador sair de cena e oferecer voz aos repentistas. Dados os motes e os temas, lá iam eles capinando, como se a roça fosse uma imensa catedral a céu aberto por onde ecoava o canto gregoriano dos que afagavam a terra buscando sua misericórdia, a fertilidade.
O autor construía, assim, o seu marco diferenciador: o registro de uma tradição asfixiada. Pois bem, agora outra fase norteia seu trabalho. Com mais de duzentos títulos produzidos, já despediu-se a tempos dos escritos intuitivos, assumindo a rédea arrazoada do seu fazer poético. Marca de sua produção é o seu compromisso social. Historiador que é, transporta para seu cordel a reflexão sobre os fatos decisivos da história nacional, leiam-se O massacre de Canudos e O cangaço sustentado por coronéis.
Não fica nisso, trafega pelo gracejo com desenvoltura. Veja-se o caso de Iniciação sexual na zona rural, no qual cria, para a reflexão sobre os ritos de passagem ligados à sexualidade, um ambiente de humor para suavizar as situações vexatórias típicas aos pré-adolescentes. O seu nome inscreve-se na história do cordel brasileiro. Seu poema O martírio de uma mãe pelo filho drogado (Editora Luzeiro, 2011) consolida o seu lado de humanista, preocupado com a ética e com os caminhos da sociedade e, mais, é o texto agraciado com o Prêmio Mais Cultura de Literatura de Cordel 2010 – Edição Patativa do Assaré. Varneci Nascimento é referência do cordel em São Paulo. Como se diz em suas costas: — É uma autarquia!

Os cabelos do Diabo, segundo Josué Gonçalves.
A figura do diabo popularizou-se no Nordeste brasileiro com o cordel. Todavia, diferente daquele elemento medonho, dono de maldades e tenebroso, oriundo da magia negra, senhor das trevas, encontramos nas sextilhas cordelísticas um ser que, apesar de conservar sua face maligna, transforma-se em uma ferramenta de riso, secretário do humor, ambulante carrancudo da gargalhada. Parece paradoxal, mas foi a forma de os leitores e ouvintes verem-se vingados.
Portador de alcunhas as mais diversas, o infiel desfila, neste poema que apresento, como o coisa-ruim, o tinhoso, chifrudo, capeta, arrenegado, bicho-papão, transformando-se de encarnação do terror em oráculo da benignidade ao revelar, sem o saber, os enigmas necessários ao herói do poema para que seja bem sucedido em sua missão. É o conto de Grimm adaptado às estrofes clássicas do cordel. É a representação universal do vencedor que todos ousamos ser. O caminho para a redenção dos depauperados, pelas artes mágicas.
Josué estreou no cordel, na Luzeiro, com uma trama original O coronel avarento (ou O homem que a terra rejeitou) e seguiu o caminho com O mistério da pele da novilha. Antes, embrenhara-se pelo conto e pelo romance, treinou sonetos, mas foi no embate com o cordel que sentiu ter encontrado seu caminho. Segundo diz, iniciou-se tarde. O cordel, entretanto, alojou-se em seu coração desde quando ouviu, pela primeira vez, os antigos versos das histórias pioneiras jorrando da leitura ritmada de Sá Maria, sua avó.
O valente João Acaba-Mundo foi seu herói primevo, seu modelo, durante aqueles primeiros dias, posteriores à audição. Ali, o cordel escolhera mais um. Passados 50 anos, escreveu sua primeira página cordelial. Movido pela ansiedade, satisfeito com a receptividade de estreia — o meio cordelístico paulistano o abraçara —, coisa que move todo iniciante, Josué partiu para a produção e publicação de suas histórias. Seu encontro com a Caravana do Cordel foi decisivo, amadureceu sua prática poética e estabilizou sua necessidade de escrever.
Agora, conhecedor das nuanças caprichosas dessa forma poética, encontraremos nele uma letra leve e escorreita, que sabe narrar e descrever. Em suas rimas ouviremos a boa sonoridade desejada. Em sua métrica, o resultado do estudo aplicado. Com a publicação de Os três fios de cabelo de ouro do diabo (Luzeiro, 2011), consolida-se em seu labor literário, cumprindo, assim como o filho da sorte de seu cordel, mais uma etapa de sua missão. Sabendo que o rio, com seu barqueiro mal humorado, ainda está longe de se fazer presente, acreditamos que sua inspiração nos presenteará em breve com outra história original, saída diretamente para o cordel, oferecendo-lhe o caminho da continuidade criativa. Josué sabe, com todas as certezas, que é o cordel quem escolhe e não o poeta.

 ***.
Aderaldo Luciano é paraibano, nascido em Areia, poeta, professor de Teoria da Literatura e cozinheiro amador. E-mail: luizcangaceiro@gmail.com

segunda-feira, 28 de maio de 2012

LITERATURA DE CORDEL NA BIBLIOTECA BELMONTE

PROGRAMAÇÃO CULTURAL DA BIBLIOTECA BELMONTE - JUNHO - 2012

LITERATURA DE CORDEL
XV ENCONTRO DE ESCRITORES CORDELISTAS – O escritor Josué Gonçalves de Araújo, premiado pelo MINC com o cordel “Os três fios de cabelo de ouro do Diabo”, vem à Belmonte para falar da influência da literatura de cordel na sua vida e sobre a elaboração de seus livros. Dia 21/06, quinta-feira, às 19h
— em Santo Amaro Largo 13 - São Paulo.

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